Ministério Público pede a desembargador que receba denúncia contra prefeito de Castelo do Piauí
O prefeito Magno Soares foi denunciado por crimes da lei de licitação devido a suposto benefício à empresa M Abreu & Oliveira Ltda-ME.
O subprocurador João Malato Neto emitiu tréplica e reforçou a necessidade do recebimento de denúncia encaminhada ao Tribunal de Justiça do Piauí contra o prefeito de Castelo do Piauí, José Magno Soares da Silva, e os sócios da empresa M Abreu & Oliveira Ltda-ME, Magnólia de Abreu Lima e Antônio Alves de Oliveira, por crimes da lei de licitações. O despacho foi emitido em 01 de março deste ano e o inquérito tramita na 2ª Câmara Especializada Criminal.
Em 05 de fevereiro deste ano, o desembargador Joaquim Dias de Santana Filho solicitou à Procuradoria Geral de Justiça para que se manifestasse acerca das defesas preliminares dos investigados, o prefeito Magno Soares e os empresários.
Na réplica, o subprocurador contestou os argumentos apresentados pelos acusados e enfatizou que no bojo do procedimento há indícios de autoria e de materialidade suficientes que autorizam a promoção da persecução penal.
Além disso, o referido procedimento foi instruído não apenas com o relatório da Delegacia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil do Estado do Piauí (Decoor), mas também pelo trabalho desenvolvido pela Promotoria de Justiça de Castelo do Piauí e pelo Centro de Apoio Operacional de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público – CACOP/MPPI, elaborado por equipe técnica com análise dos documentos apresentados na representação formulada e também pelos que compõem os procedimentos licitatórios.
Por fim, destaca que as alegações dos acusados não merecem respaldo, pois argumentaram que a contratação foi realizada com a observância das exigências legais.
Defesa dos acusados
O desembargador Joaquim Dias de Santana Filho emitiu despacho em 28 de julho de 2023, determinando que os acusados apresentassem defesa no prazo de quinze dias sobre a denúncia do Ministério Público.
Em resumo, consta nas defesas preliminares que o aumento da despesa teria ocorrido porque a empresa contratada passou a fornecer alimentos para toda a administração municipal e não somente para as unidades escolares, que os procedimentos licitatórios são legais e estão devidamente ajustados às normas de regência. Os empresários alegaram perseguição política e que Magnólia ocupava cargo efetivo de professora sem vínculo de parentesco com qualquer membro da administração.
Investigação do Ministério Público
Uma representação foi encaminhada à Promotoria de Justiça de Castelo do Piauí em 05 de maio de 2020 pelo vereador Raimundo Nonato da Silva Mineiro apontando aumento significativo da despesa do município com a merenda escolar, relativo aos anos de 2017 a 2019, sendo que a quantidade de alunos permaneceu praticamente inalterada. Além de apontar uma série de irregularidades na contratação com a empresa M Abreu & Oliveira Ltda-ME (de nome fantasia Comercial Neto), que prestava os serviços.
O parlamentar identificou que para aquisição de merenda escolar inicialmente em 2017 o valor empenhado era R$ 657.408,31, no ano seguinte o número saltou para R$ 942.845,55 e até junho de 2019 já tinha chegado a R$ 642.277,39.
Contudo, o montante efetivamente gasto era de R$ 345.040,35, no ano de 2016, R$ 591.903,85, em 2017 e R$ 893.338,10 em 2018.
Para o vereador, o aumento é injustificado, pois o número de alunos não alterou de forma substancial, em 2016 eram 3.814 estudantes, já no ano seguinte constam 3.877 e em 2018 foram registrados 3.843.
De acordo com o vereador, a sócia da empresa Magnólia de Abreu Lima, que foi a vencedora do certame licitatório, era servidora pública municipal (Professora) e ocupante de cargo de Coordenação (natureza comissionada) junto à Secretaria Municipal de Educação. Fato que impedia a empresa de sequer participar da licitação.
Após o recebimento da representação, o subprocurador instaurou notícia de fato em face do gestor municipal, que tem foro privilegiado, e dos sócios Magnólia de Abreu Lima e Antônio Alves de Oliveira. Além disso, os investigados foram notificados para manifestação.
Licitações com indícios de vícios
Na apuração do Ministério Público do Piauí, foi identificado uma relação de amizade e de apoiamento político entre os investigados, onde foi constatado que Magnólia de Abreu Lima e seu esposo Anísio Cardoso de Freitas Neto apoiam o prefeito e tem afinidade política, por pertencerem ao grupo, além de afetiva.
Neste contexto, foi averiguado que a Prefeitura de Castelo do Piauí realizou quatro procedimentos licitatórios com indícios de vícios que resultaram na contratação da empresa M. Abreu & Oliveira Ltda (Comercial Neto), são eles: o Pregão Presencial 01/2017 – referente ao exercício de 2017; Pregão Presencial 32/2017 – referente ao exercício de 2018; Pregão Presencial 09/2019 – referente ao exercício de 2019 e a Tomada de Preço 07/2020 – referente ao exercício de 2020.
De acordo com o órgão ministerial, por ser servidora pública com cargo comissionado de Coordenadora Pedagógica de ensino infantil das escolas urbanas do Município de Castelo do Piauí, além de possuir função gratificada no Núcleo de Orientação do Ensino Infantil, a empresa de Magnólia não poderia participar da licitação, pois o artigo 9º, inciso III, da Lei de Licitações nº 8.666/93, impede a participação de “servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação”.
Verificou-se ainda que a servidora sempre foi a única administradora da empresa, mas se tornou “cotista” após introduzir Antônio Alves de Oliveira, seu sogro e pai de Anísio Cardoso, com o objetivo de dar legalidade para a empresa.
O subprocurador apontou também indícios de redirecionamento dos Procedimentos Licitatórios Pregões Presenciais nos 001/2017, 64/2017 e 10/2019 e Tomada de Preço nº 11/2020, com indevido beneficiamento da empresa contratada.
Isso porque a empresa apresentou um valor bem abaixo da referência, revelando inexequibilidade do objeto contratado.
“No lote 2, de igual forma, o valor proposto pela empresa M Abreu & Oliveira Ltda (Comercial Neto) foi de R$507.830,00, correspondendo a um percentual de, aproximadamente, 65,33% em relação ao valor de referência (R$777.320,00), o que também sinaliza a inexequibilidade da execução do contrato”, diz na notícia de fato.
Além disso, o Ministério Público constatou que houve o cancelamento de um edital sem explicação e dias depois uma nova licitação foi publicada com o mesmo objeto.
“Vê-se aqui uma nítida concentração de esforços, sincronizados, de agentes públicos e particulares vocacionada à contratação ilegal de uma específica empresa”, pontuou.
Desclassificação de empresas
Foi também evidenciado que ocorreu possível fraude na desclassificação de empresas concorrentes da M. Abreu & Oliveira Ltda, pois teriam sido retiradas da disputa com fundamentação “genérica”, diante das exigências adicionais para o credenciamento.
Como exemplo, foi citado o pregão presencial nº 032/2017, no qual a maioria das empresas apresentaram propostas inferiores ao da vencedora, mas mesmo assim foram desclassificadas. A justificativa apresentada foi a de que deveria os produtos deveriam conter todas as especificações estabelecidas no edital, porém a própria M. Abreu & Oliveira Ltda descumpriu o item.
Conforme o mapa de lances, foram desclassificadas as empresas Agreste Comercio de Produtos Alimentícios LTDA- ME (Agreste Comercial), CR Distribuidora de Produtos Gerais LTDA (CR Distribuidora), SP Comercial e Distribuidora LTDA (SP Comercial), entre outras, sem informar os motivos pelos quais elas foram retiradas da disputa, se limitando a apontar “inconsistências nas propostas”.
“Ao fazer exigências adicionais que condicionariam o credenciamento de empresas, o ente contratante criou novas requisições capazes de fulminar o interesse da empresa, eventualmente prejudicada, de externar seu inconformismo através da apresentação de recursos administrativos, visto que o descredenciamento desabilita o interessado a recorrer administrativamente”, pontuou o subprocurador.
Desta forma, o subprocurador fundamentou que as exigências inviabilizaram a disputa e comprometeram o princípio da igualdade entre os concorrentes, como preza o artigo 3º da Lei de Licitações.
Sobre os sócios
O órgão ministerial identificou que a empresa tinha plena consciência de que não era possível concorrer com uma servidora pública no quadro societário, porque os proprietários emitiram uma Declaração de Inexistência de servidor público municipal nos quadros da empresa, representando o dolo da prática.
A ação teve o consentimento do alto escalão da administração, pois o prefeito Magno Soares desde 2017 contratada a mesma empresa para o fornecimento de merenda escolar, alimentos perecíveis e não perecíveis.
Portanto, segundo o subprocurador, o gestor municipal tinha conhecimento de que a empresa tinha vínculos com a servidora pública e de forma a beneficiar a empresa frustrou os processos licitatórios mencionados.
“Logo, frustrou os processos licitatórios em questão, visando com isso, beneficiar a empresa de uma servidora pública municipal (Magnólia de Abreu Lima), do pai de um amigo seu (Antônio Alves de Oliveira) e do seu amigo (Anísio Cardoso de Freitas Neto – proprietário de fato do “Comercial Neto”). Em relação a todos os quatro procedimentos licitatórios, o denunciado homologou os certames e assinou os respectivos contratos administrativos com a empresa em questão”, pontuou.
Consta que as irregularidades resultaram em dano ao erário no importe de R$ 4.575.555,66 (quatro milhões e quinhentos e setenta e cinco mil e quinhentos e cinquenta e cinco reais e sessenta e seis centavos), devido às contratações que perduraram por quatro anos, até setembro de 2020.
Dos pedidos
Em razão dos fatos apresentados, o subprocurador apresentou denúncia e requereu a condenação dos denunciados pela prática do crime tipificado no artigo 90 da Lei de Licitações e Contratos (nº8.666/90), referente a frustrar ou fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, cuja pena é de detenção de 2 a 4 anos, além de multa.
Que os acusados também sejam condenados pela prática do crime disposto nos artigos 29 e 69 do Código Penal, referente, respectivamente, a diminuição da pena por participação de menor importância e aplicação de pena cumulativa de penas quando há a prática de dois ou mais crimes.
Além de pedir a perda e inabilitação para o exercício de cargos públicos (artigo 92, I, do Código Penal) e a reparação do valor mínimo fixado a título de danos morais coletivos, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal.
Outro lado
O Viagora procurou o prefeito Magno Soares para falar sobre o assunto, mas o gestor não atendeu às ligações.
A reportagem também entrou em contato com a assessoria de comunicação do prefeito, mas até o fechamento da matéria não obtivemos resposta.
A empresa M Abreu & Oliveira Ltda-ME também foi procurada, porém nenhum representante foi localizado. O espaço permanece aberto para esclarecimentos.
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