Seca nos Estados Unidos traz "oportunidades" para Brasil e dor de cabeça para muitos
Celebração para poucos, preocupações para muitos.
Embora a menor safra de milho e soja possa reduzir a exportação americana desses produtos – abrindo espaço e oportunidades de negócios para produtores no Brasil e na Argentina, por exemplo –, os efeitos do clima sobre os preços dos alimentos ameaçam a segurança alimentar de locais onde o milho é um alimento básico – como o México e o resto da América Central.
Mesmo no Brasil os efeitos positivos acabam sendo ofuscados pelos negativos, por causa da alta dos preços nos alimentos.
Cálculos do Banco Mundial estimam que cada aumento de 10% nos preços das commodities agrícolas ao longo de um ano carrega um repasse de 0,8 ponto percentual para o principal indicador usado para balizar a meta de inflaçao do governo, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
"Do ponto de vista dos produtor rural, o Brasil está numa boa posição (para ganhar com a seca nos EUA), porque tem uma boa previsão de safra e está na época em que pode ajustar essa produção para aumentar a colheita", disse à BBC Brasil o principal especialista em agricultura do Banco Mundial, Willem Janssen.
"Em termos de consumo, é menos positivo, porque o Brasil tem muitos consumidores pobres –especialmente nas grandes cidades – e eles terão de pagar mais caro se essa crise no preço dos alimentos chegar na ponta.”
Oportunidade
O mais recente relatório do Departamento de Agricultura americano (USDA, na sigla em inglês) mostra que a situação do milho e da soja no chamado Cinturão do Milho, no meio-oeste do país, se deteriorou ainda mais na semana passada, aproximando-se de condições só verificadas pela última vez em 1988.
Assim como naquele ano, 37% da soja americana já foi considerada de má qualidade, enquanto 48% da safra de milho está nesta situação (contra 53% em 1988).
Para Rosemeire Cristina dos Santos, superintendente técnica da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília, a pior seca em quase 25 anos acarretará perdas "terríveis" para a colheita destes dois produtos.
No mês passado, o Departamento de Agricultura americano reduziu de 375 milhões de toneladas para 329 milhões de toneladas a previsão de sua safra de milho neste ano.
Como o consumo americano é de cerca de 282 milhões de toneladas de milho, a possibilidade de que o país tenha de importar o alimento é baixa (exceção feita para uma pequena proporção a fim de refazer estoques, que estão baixos por causa da safra passada, também ruim).
Mas uma queda na produção americana abre uma enorme oportunidade para produtores brasileiros nos mercados para os quais os EUA exportam, principalmente países asiáticos.
Soja
O mesmo vale para a soja, cuja previsão de safra nos EUA caiu de 87 milhões de toneladas para 83 milhões de toneladas, das quais ão exportadas cerca de 36 milhões de toneladas.
"O produtor rural brasileiro está na época de decisão de plantio, ainda pode elevar a área plantada, grande parte dos insumos para a próxima safra já foi adquirida, e ele já está fixando preços para o próximo ano, aproveitando os preços bons", diz Rosemeire dos Santos.
A projeção da CNA para a safra brasileira de soja é de 82-83 milhões de toneladas, com uma previsão de colher mais 68 milhões de toneladas de milho em duas safras (a principal e a chamada safrinha).
Entretanto, Cristina dos Santos lembra que as duas colheitas são de certa forma "concorrentes", disputando espaço principalmente no Centro-Sul.
"Nós achamos que vai ter uma concorrência da soja e do milho e a soja vai ganhar, porque a soja tem muito mais liquidez que o milho", afirma.
Outro lado da moeda
O preço da soja está 30% mais alto desde o início de junho, e 60% acima dos níveis do fim do ano passado, segundo os dados do Banco Mundial. O milho já subiu 45% entre meados de junho.
Estes níveis de preço têm injetado volatilidade no mercado de commodities, elevando as incertezas de abastecimento para os contratos futuros – o que por sua vez incentiva uma nova corrida pelos grãos e uma nova rodada de especulação.
Mesmo que crie oportunidades de ganho para os produtores de grãos brasileiros, diz a CNA, essa volatilidade prejudica o resto da cadeia agrícola no país.
"A preocupação é muito grande com os suínos e aves. O milho e a soja respondem por 80% do custo de produção dessas cadeias, então nós esperamos que o custe dessa cadeia vá explodir nos proximos meses", diz Cristina dos Santos.
Ela lembra que os produtores de carne já estão pressionados pelo embargo russo e a desaceleração geral da economia, que reduziu o consumo do produto.
"Isso vai gerar uma distribuição desigual de renda entre as cadeias produtivas: uma, com um cenário extremamente positivo, a outra, com um cenário muito doloroso."
Em outros países da América Latina, o desequilíbrio de preços é especialmente danoso a países onde o consumo do milho é disseminado, como o México e a América Central.
O preâmbulo da crise alimentar de 2007-08 foram os protestos populares por conta da elevação no preço da tortilla mexicana, resultado da alta no milho.
"Precisamos ter cuidado para não especular sobre consequências políticas. Mas se os preços dos alimentos, sobretudo milho, no México subirem muito, não há razão para esperar um comportamento diferente do passado", reconhece Janssen. "O mesmo vale para Guatemala e os países na América Central."
Segurança alimentar
Para o especialista do Banco Mundial, nesse contexto Brasil deve ver a atual crise de abastecimento não apenas como uma "oportunidade" de curto prazo, mas como uma "obrigação" de manter o resto do mundo alimentado no longo prazo. "A segurança alimentar do mundo vai depender de países como o Brasil, que ainda podem aumentar relativamente fácil a sua produção", diz.
Nos últimos cinco anos, é a terceira vez que o mundo assiste a uma elevação nos preços dos alimentos. Para Janssen, "muda o local, mas a frequência com a qual há uma falta de suprimento para satisfazer a demanda existência é simplesmente muito alta."
Todos reconhecem que para se tornar de fato o "celeiro do mundo", o Brasil precisa elevar a sua produtividade – que segundo a CNA é de cerca de 4,5 toneladas por hectare , contra cerca de 11 toneladas nos EUA.
Se no curto prazo os produtores brasileiros podem elevar a safra aumentando a área plantada e colocando mais fertilizante na terra, no longo prazo a resposta do Brasil passaria por fazer escolhas quanto às variedades plantadas, os sistemas de produção e o gerenciamento da colheita em geral, avalia Janssen.
Mesmo no Brasil os efeitos positivos acabam sendo ofuscados pelos negativos, por causa da alta dos preços nos alimentos.
Cálculos do Banco Mundial estimam que cada aumento de 10% nos preços das commodities agrícolas ao longo de um ano carrega um repasse de 0,8 ponto percentual para o principal indicador usado para balizar a meta de inflaçao do governo, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
"Do ponto de vista dos produtor rural, o Brasil está numa boa posição (para ganhar com a seca nos EUA), porque tem uma boa previsão de safra e está na época em que pode ajustar essa produção para aumentar a colheita", disse à BBC Brasil o principal especialista em agricultura do Banco Mundial, Willem Janssen.
"Em termos de consumo, é menos positivo, porque o Brasil tem muitos consumidores pobres –especialmente nas grandes cidades – e eles terão de pagar mais caro se essa crise no preço dos alimentos chegar na ponta.”
Oportunidade
O mais recente relatório do Departamento de Agricultura americano (USDA, na sigla em inglês) mostra que a situação do milho e da soja no chamado Cinturão do Milho, no meio-oeste do país, se deteriorou ainda mais na semana passada, aproximando-se de condições só verificadas pela última vez em 1988.
Assim como naquele ano, 37% da soja americana já foi considerada de má qualidade, enquanto 48% da safra de milho está nesta situação (contra 53% em 1988).
Para Rosemeire Cristina dos Santos, superintendente técnica da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília, a pior seca em quase 25 anos acarretará perdas "terríveis" para a colheita destes dois produtos.
No mês passado, o Departamento de Agricultura americano reduziu de 375 milhões de toneladas para 329 milhões de toneladas a previsão de sua safra de milho neste ano.
Como o consumo americano é de cerca de 282 milhões de toneladas de milho, a possibilidade de que o país tenha de importar o alimento é baixa (exceção feita para uma pequena proporção a fim de refazer estoques, que estão baixos por causa da safra passada, também ruim).
Mas uma queda na produção americana abre uma enorme oportunidade para produtores brasileiros nos mercados para os quais os EUA exportam, principalmente países asiáticos.
Soja
O mesmo vale para a soja, cuja previsão de safra nos EUA caiu de 87 milhões de toneladas para 83 milhões de toneladas, das quais ão exportadas cerca de 36 milhões de toneladas.
"O produtor rural brasileiro está na época de decisão de plantio, ainda pode elevar a área plantada, grande parte dos insumos para a próxima safra já foi adquirida, e ele já está fixando preços para o próximo ano, aproveitando os preços bons", diz Rosemeire dos Santos.
A projeção da CNA para a safra brasileira de soja é de 82-83 milhões de toneladas, com uma previsão de colher mais 68 milhões de toneladas de milho em duas safras (a principal e a chamada safrinha).
Entretanto, Cristina dos Santos lembra que as duas colheitas são de certa forma "concorrentes", disputando espaço principalmente no Centro-Sul.
"Nós achamos que vai ter uma concorrência da soja e do milho e a soja vai ganhar, porque a soja tem muito mais liquidez que o milho", afirma.
Outro lado da moeda
O preço da soja está 30% mais alto desde o início de junho, e 60% acima dos níveis do fim do ano passado, segundo os dados do Banco Mundial. O milho já subiu 45% entre meados de junho.
Estes níveis de preço têm injetado volatilidade no mercado de commodities, elevando as incertezas de abastecimento para os contratos futuros – o que por sua vez incentiva uma nova corrida pelos grãos e uma nova rodada de especulação.
Mesmo que crie oportunidades de ganho para os produtores de grãos brasileiros, diz a CNA, essa volatilidade prejudica o resto da cadeia agrícola no país.
"A preocupação é muito grande com os suínos e aves. O milho e a soja respondem por 80% do custo de produção dessas cadeias, então nós esperamos que o custe dessa cadeia vá explodir nos proximos meses", diz Cristina dos Santos.
Ela lembra que os produtores de carne já estão pressionados pelo embargo russo e a desaceleração geral da economia, que reduziu o consumo do produto.
"Isso vai gerar uma distribuição desigual de renda entre as cadeias produtivas: uma, com um cenário extremamente positivo, a outra, com um cenário muito doloroso."
Em outros países da América Latina, o desequilíbrio de preços é especialmente danoso a países onde o consumo do milho é disseminado, como o México e a América Central.
O preâmbulo da crise alimentar de 2007-08 foram os protestos populares por conta da elevação no preço da tortilla mexicana, resultado da alta no milho.
"Precisamos ter cuidado para não especular sobre consequências políticas. Mas se os preços dos alimentos, sobretudo milho, no México subirem muito, não há razão para esperar um comportamento diferente do passado", reconhece Janssen. "O mesmo vale para Guatemala e os países na América Central."
Segurança alimentar
Para o especialista do Banco Mundial, nesse contexto Brasil deve ver a atual crise de abastecimento não apenas como uma "oportunidade" de curto prazo, mas como uma "obrigação" de manter o resto do mundo alimentado no longo prazo. "A segurança alimentar do mundo vai depender de países como o Brasil, que ainda podem aumentar relativamente fácil a sua produção", diz.
Nos últimos cinco anos, é a terceira vez que o mundo assiste a uma elevação nos preços dos alimentos. Para Janssen, "muda o local, mas a frequência com a qual há uma falta de suprimento para satisfazer a demanda existência é simplesmente muito alta."
Todos reconhecem que para se tornar de fato o "celeiro do mundo", o Brasil precisa elevar a sua produtividade – que segundo a CNA é de cerca de 4,5 toneladas por hectare , contra cerca de 11 toneladas nos EUA.
Se no curto prazo os produtores brasileiros podem elevar a safra aumentando a área plantada e colocando mais fertilizante na terra, no longo prazo a resposta do Brasil passaria por fazer escolhas quanto às variedades plantadas, os sistemas de produção e o gerenciamento da colheita em geral, avalia Janssen.
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